segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Terra em Transe (segunda parte)

Nesta segunda parte sobre o filme “Terra em Transe” de Glauber Rocha, farei menção às personagens. De certa forma, se analisarmos algumas, perceberemos que elas estão imbuídas de posicionamentos políticos que a trama da obra condensa, de forma a fazer com que o filme se transforme em um verdadeiro tratado político.



O Poeta Paulo Martins



Como já dito no outro post, o personagem de Jardel Filho é a encarnação da proposta de transe de Glauber para o filme. Ora é aliado do governador de Alecrim, ora se volta contra o próprio. Ora é amigo, íntimo, de Porfírio Diaz, ora o trai e usa de sua amizade e do conhecimento da vida do fascista para fazer o documentário que é transmitido pela rede de TV de Júlio Fuentes. Conclui-se, portanto, que Paulo não possui um posicionamento político. Porém, por mais inconstante que a personagem seja, ele possui uma lealdade ao compromisso. Paulo Martins deixa de apoiar o governador Vieira pela traição à raiz, à origem do projeto inicial. Vieira acaba por se associar ao capital de fazendeiros que bancaram sua candidatura. Esse fato acaba prendendo o governador de Alecrim aos interesses da elite fazendeira, o que representa a traição do espírito que marca o diálogo entreVieira, Paulo e Sara no jantar em que se conhecem e decidem trilhar um futuro político juntos. Existe um fato interessante nesse diálogo, Vieira faz referência indireta à Maiakóvski (o poeta da Revolução Russa) para se referir à necessidade de existir poetas como Paulo, envolvidos na política. Porém, ao fim e ao cabo, tardar, percebe-se que a citação do Governador Vieira cai no vazio do seu discurso populista.

A catarse do final do filme, quando Paulo se entrega à luta armada em um delírio suicida marca a maneira pessimista com que Glauber enxerga o futuro daqueles que tiveram sonhos para tentar mudar uma situação.

Boa parte do lirismo e do drama poético que circundam “Terra em Transe” advêm das falas de Paulo. Ele tece comentários acerca dos acontecimentos da narrativa e do seu próprio ofício costurando o desenrolar dos fatos como uma espécie de narrador. É lindo.



O Governador Vieira


Vieira representa o fenômeno do populismo na América Latina. Demagogo sempre cercado de capangas armados, em sua campanha vai às ruas e ouve o povo. Diz que todos podem pedir o que for necessário, pois está tomando nota de tudo. A maneira como ele caminha entre as pessoas e se dirige à população é extremamente arrogante, um cinismo fajuto de quem está muito mais interessado no poder do que na solução dos problemas da população de operários e camponeses de Alecrim.

Algumas frases de Vieira como “Os reacionários comeram a poeira da história” e “Defenderei as nossas riquezas contra o invasor estrangeiro (a EXPLINT)” ilustram a fachada populista com a qual ele velava as suas intenções.



Porfírio Diaz


A personagem interpretada brilhantemente por Paulo Autran é a representação do fascismo e da tecnocracia. Porfírio, quando faz campanha contra Vieira e seus aliados, sai às ruas empunhando uma bandeira preta, símbolo do fascismo, e uma cruz. Essa mistura com a religião resulta em um misticismo que prevalece na campanha de Diaz para se eleger senador e depois para tomar o poder e coroar-se imperador de Eldorado. Esse misticismo fascista pode ser identificado nos seguintes excertos de frases de Diaz: “O meu desígnio é Deus, a minha bandeira é o trabalho (...)”, “A pátria é intocável, a família é sagrada”.

Qualquer semelhança com o fascismo de Mussolini não é coincidência e chegando à conclusão que o filme de Glauber nos induz a chegar, percebe-se que a imagem de Porfírio, um fascista tecnocrata, tomando o poder é uma metáfora do golpe militar de 64.

É interessante ressaltar que o nome Porfírio Diaz remete ao militar Mexicano Porfírio Dias, que sustentou uma ditadura no México, o porfiriato, por mais de 30 anos, período que foi marcado pela grande concentração fundiária e entrada excessiva de capital estrangeiro no país. Mais uma semelhança que não é simples casualidade.


Considerações Finais


Sara e Júlio Fuentes são as duas últimas personagens, no caso secundárias, que caracterizam pensamentos políticos. Ela, o comunismo e ele, o capitalismo acima de tudo.

No final do filme em uma passeata carnavalesca de Felipe Vieira, é dada a palavra a Jerônimo, um pacato cidadão que ali representava o povo. Em sua fala ele diz que é pobre, presidente de um sindicato de operários e que se encontra na luta de classes. Jerônimo também afirma que acha que tudo está errado, o país em crise, que ele não sabe ao certo o que fazer. Após isso ele pede para que todos esperem um pronunciamento do então presidente Fernandez. Porém, as palavras mal são ditas e Paulo em um de seus desvarios, acometido pela cólera da inconstância de suas convicções, tampa a boca de Jerônimo. Depois ele diz o seguinte: “Estão vendo o que é o povo? Um imbecil, um analfabeto, um despolitizado. Já pensaram Jerônimo no poder?”.

Curiosamente, Glauber parece prever a reação conservadora de alguns setores em relação a um dos principais acontecimentos políticos dos últimos 8 anos de democracia no Brasil.

Para quem quiser, o site referência para consulta: http://www.tempoglauber.com.br/f_terra.html

2 comentários:

  1. Resenha muito boa Rô :)
    Ainda acho que o o 'transe' e a 'agonia' de quando o Paulo é baleado se referem à agonização do populismo no Brasil, tanto que o golpe proposto pelo Porfírio não deixa de ser nosso 1964...

    Snooze

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  2. Sim!
    Concordo em gênero, número e grau, tanto que até escrevi isso: "e chegando à conclusão que o filme de Glauber nos induz a chegar, percebe-se que a imagem de Porfírio, um fascista tecnocrata, tomando o poder é uma metáfora do golpe militar de 64."

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